Publicado em 06 de fevereiro de 2023 | Categoria: Notícias
Dúvidas e publicações online e offline indicam interesse por soluções para o sono de crianças, que vão de adolescentes até recém-nascidos
Com 2 anos e 4 meses de vida, o filho da administradora e empresária Talita Valentim começou a tomar melatonina para dormir. “Ele resistia ao sono, sempre se batendo, reclamando e acordando pela madrugada. Foi um período bem exaustivo”, diz a mãe, afirmando que a possibilidade de transtorno do espectro autista era investigada e o pediatra indicou a substância para acalmá-lo.
A melatonina é um hormônio propagado, cada vez mais, como suplemento para melhorar o sono de adultos. Mas, segundo o presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Gustavo Moreira, a procura por esse e outros caminhos também cresce para crianças – “e preocupa”.
Dúvidas e publicações online e offline indicam interesse por soluções para o sono de crianças, que vão de adolescentes até recém-nascidos. Chás, gotas de florais e medicamentos antialérgicos que tem como efeito adverso sonolência, estão entre as saídas que entram na roda.
Pedacinhos de comprimidos tarja preta, como Zolpidem, que já são parte da rotina de algum adulto da casa, também são administrados de forma indevida, segundo especialistas.
Moreira adverte, porém, que podem provocar reações como sonambulismo e terror noturno.
Fernanda Dubourg, neuropediatra e especialista em Sono pela Universidade de Nantes, na França, reforça que a oferta de substâncias indutoras de sono sem acompanhamento profissional pode colocar a saúde das crianças em risco.
“Não existe fórmula mágica, nem gotinha, nem jujuba, nem xarope. O que precisa ser dito é: se existem problemas com o sono, deve-se procurar ajuda médica, conversar com o pediatra. É preciso avaliar a criança para caracterizar se é o sono normal ou existe algum distúrbio do sono, ou transtorno no neurodesenvolvimento”, orienta.
O Google Trends, ferramenta que mostra as pesquisas mais populares na plataforma de buscas, é indicativo de que a curiosidade sobre o tema, em português, anda firme.
Quando a procura é sobre o termo “remédios”, a frase “para criança dormir” foi uma das principais associações nos últimos 12 meses. Calmantes para bebês registram “ascensão repentina” em dúvidas relacionadas a “sono” e “hipnótico – classe de medicamento”, cujos cliques levam a textos sobre melatonina.
Segundo Gustavo Moreira, muitas substâncias são administradas sem controle às crianças. Entre elas, a melatonina se destaca com “um boom enorme”.
“Isso começou no exterior e depois veio para cá, mas não tem estudos que demonstram que a substância funciona para pessoas que têm o desenvolvimento normal. Ela é indicada em situações específicas, para condições como o autismo (quando a produção do hormônio se encontra reduzida), e não como algo para a população em geral”, acrescenta.
Faltam, no Brasil, dados oficiais sobre o ritmo do consumo – e dos perigos envolvidos – em meio ao crescimento observado pelos profissionais da saúde.
Enquanto isso, relatório publicado em 2022 pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, mostra que o número de ingestões pediátricas de melatonina aumentou 530% no país, com efeitos como distúrbios do sistema nervoso, gastrointestinais, cardiovasculares e metabólicos em 17,2% dos casos.
O estudo considera um período de 10 anos, de 2012 a 2021. Entre os registros mais graves, cita ataques epiléticos, paradas respiratórias com intubação e mortes.
No filho de Talita, outros efeitos foram percebidos. “Ele ficava com a barriga muito inchada e chorava com a mão na cabeça. Quando descobrimos os males fomos tirando [a substância]. A gente percebia que ele ficava como se fosse dopado. A sensação de culpa foi enorme”, diz.
Diagnosticado recentemente com autismo leve, o menino “passa por fases boas e ruins”. “No momento estamos em uma ruim, porque ele passa a noite toda reclamando. Mas decidimos seguir assim, sem medicamento”, acrescenta a empresária, que também mãe de uma menina de um ano.
Na casa da confeiteira Didiane Singh, a descoberta de autismo no caso da filha também foi precedida por noites mal dormidas e, por fim, pela busca de alternativas.
“Ela era uma bebê muito calma quando nasceu, mas quando foi passando dos três meses começou a demonstrar agitação. Passava a noite toda acordada, muitas vezes ia dormir às 6 da manhã. O meu leite parou porque eu não tinha descanso. E os pediatras diziam que era birra de criança, que estava tudo ok”, diz ela.
“Então eu comecei a dar chazinho de camomila, que não surtia muito efeito, e vi na farmácia terapia floral para bebês. Nos primeiros dias eu já percebi melhora”, afirma.
A menina, hoje com um ano e 6 meses, hoje faz uso de medicação para dormir, prescrita pelo médico. A mãe conta que suspendeu os florais. “O produto contém benzoato de sódio e álcool e eu não usaria de novo devido a essas substâncias”.
A neuropediatra Fernanda Dubourg reforça que em casos de insônia infantil o primeiro passo é a avaliação especializada para o diagnóstico correto e indicação do melhor plano terapêutico, na maioria das vezes não medicamentoso.
“Se o diagnóstico é de insônia comportamental, o tratamento recomendado é higiene do sono e intervenções comportamentais. O trabalho em conjunto com a psicologia do sono possibilita excelentes resultados na pediatria”, diz, ressaltando que é preciso ensinar a criança a adormecer sozinha.
A especialista também defende redução no uso de telas de celulares e de outros dispositivos. A luz no período noturno, pontua, bloqueia a liberação da melatonina e acaba atrapalhando o sono.
“É preciso reduzir essa exposição ao claro no período noturno. Interromper o uso de telas 1 a 2 horas antes do horário de dormir, além de falar de sono nas escolas, para que as crianças entendam os prejuízos do sono ruim, que incluem o déficit de atenção, a hiperatividade e a dificuldade de aprendizagem, entre tantos outros”, afirma Dubourg.
Foto: Reprodução
Fonte: Folha Vitória
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